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Sara Oliveira: "Através dos filmes vamos gritar para que a democracia seja mantida"

Produtora de "Todos os mortos", que disputa o Urso de Ouro, fala sobre o cinema nacional e a presença do filme em Berlim

20/02/2020 às 12:51


O que atraiu você, como produtora, ao projeto de “Todos os mortos”?

Os diretores do filme, Marco Dutra e Caetano Gotardo, junto com a Juliana Rojas, formam o coletivo paulista Filmes do Caixote – ao qual minha produtora, a Dezenove Filmes, está ligada. São meninos de muito talento, e eu parto sempre deles para tocar as produções. Isto é: acredito no trabalho que fazem e embarco junto. Às vezes é o Marco com o Caetano, outras a Juliana com o Marco, e assim por diante. Os filmes deles falam de inclusões sociais, mostram gritos oprimidos dentro de nós. Acho importante ter a ousadia de fazer isso. Se acertamos ou erramos, vamos saber depois.

 

Qual a importância pra vocês de estrear no festival de Berlim?

A Berlinale é um grande evento e foi aquele que nos acolheu. Nela, “Todos os mortos” está no topo da amostragem atual de filmes de novos autores, portanto acompanhado de obras magníficas. Isso só nos honra.

 

A ideia de “Todos os mortos” surgiu em 2012. Como foi o processo de levantar o filme nesses oito anos?

Nunca levamos menos de cinco, seis ou sete anos para levantar um filme e levá-lo ao seu devido lugar, que é uma vitrine importante, como a Berlinale. Projetos como “Todos os mortos” receberam estímulos através da Ancine em anos anteriores, por isso agora estão de pé. Nos últimos 14, 15 meses não houve nenhuma atividade de fomento acontecendo através da agência, os editais foram congelados, às vezes não há técnicos para avaliar questões pendentes etc. Isso, num momento em que o cinema do Brasil está no topo, sendo bem recebido pelo mundo todo.

 

Como você vê o rumo das políticas públicas para o audiovisual no Brasil hoje?

É muito grave esse congelamento. Um país se faz com suas histórias nas telas... Somos nós, nos vendo no cinema. Porque é muito importante que a gente mostre nosso país com sua imensa diversidade. E é através dos filmes que vamos gritar para que a democracia seja mantida.

 

Há no horizonte próximo alguma chance de reverter esse desestímulo do governo ao cinema nacional, na sua opinião?

Não sabemos. Mas eu espero que nossos governantes tenham a inteligência para perceber a importância desse setor, que emprega cerca de 300, 400 mil profissionais todos os anos.

 

Você levanta coproduções com a França e outros países que tradicionalmente se interessam em apoiar o cinema latino-americano. Como esses parceiros internacionais estão vendo o que está acontecendo no Brasil?

A comunidade internacional nos vê com absoluto espanto. O que acontece no Brasil é dito e publicado nos jornais. Eles têm dificuldade em acreditar... A França, por exemplo. é um país afeito a nós, com um olhar para a América Latina, a Ásia e para as demais regiões fora da Europa que fazem cinema. A importância disso, através das coproduções, é que acontece um upgrade no filme nacional na hora de ele enfrentar festivais internacionais de primeira linha, mostrando, com sua diversidade, que o Brasil é atraente. Mas, com o que acontece hoje, estamos sendo tolhidos na nossa capacidade de mostrar a história do país no cinema.

 

Você vê algum parentesco entre “Todos os mortos”, na produção audiovisual brasileira, e o que se produz hoje no resto da América Latina?

O Brasil e os demais países da região são muito parecidos em suas deficiências sociais – como é o caso da escravidão, em “Todos os mortos”. Temos que lutar pelas nossas origens, e isso é um problema comum à toda a América Latina, com suas diásporas. Mas eu diria que “Todos os mortos” é um filme universal, ao tratar de um problema que ecoa ainda em vários países do mundo, infelizmente.