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Festival de Berlim começa com participação brasileira recorde

Ao todo, 12 produções brasileiras estarão no evento, que já consagrou títulos nacionais

21/02/2017 às 10:11


Desde a chamada retomada das cinematografias latino-americanas, ao final dos anos 90, muito se lamentou que o Brasil permanecia à espera dos holofotes que pouco a pouco passaram a brilhar nos festivais internacionais sobre a Argentina, o Chile e outros países da região que se tornaram os queridinhos de curadores no mundo todo. Essa espera parece ter chegado ao fim, com uma “espécie de apogeu da produção brasileira” que começa a despontar em vitrines importantes como as de Cannes (França), Rotterdam (Holanda) e Berlim (Alemanha).

No Festival de Cannes, Aquarius – o segundo longa-metragem do realizador pernambucano Kleber Mendonça – rompeu um jejum de oito anos sem filmes nacionais em competição, entrando no concurso à Palma de Ouro do ano passado. Neste ano, o Festival de Rotterdam (28 de janeiro e 5 de fevereiro), um dos cinco mais importantes da Europa, selecionou um recorde de 15 títulos brasileiros. Mas é da Berlinale, que está no top 3, que vem a sensação de um “apogeu”, como expressou o diretor artístico Dieter Kosslick, responsável pela seleção de nada menos do que 12 filmes nacionais para a 67a edição do evento, que começa nesta quinta, 9 de fevereiro, e se estende até o dia 19.

A boa safra distribuída pelos alemães inclui obras de diferentes estilos e formatos e vindas de diferentes regiões do país – o que, além de revelar a potência da produção atual, demonstra que ela desponta não somente do tradicional eixo Rio-SP. O filme escolhido para representar o Brasil na competição principal vem de Pernambuco: Joaquim, de Marcelo Gomes (diretor do elogiado Cinema, aspirinas e urubus), concorre ao Urso de Ouro com um olhar sobre a construção da consciência política do jovem alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), soldado do Império que veio a liderar a Inconfidência Mineira. Também disputa o Urso de melhor curta-metragem Estás vendo coisas, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, obra criada especialmente para a 32a Bienal de Arte de São Paulo em 2016 e que retrata a paisagem da música brega do Recife.

Nas demais seções do festival, espalha-se a participação massiva tupiniquim. Na Panorama, a mais importante mostra paralela, dedicada ao cinema autoral, Vazante, primeiro longa-metragem solo da carioca Daniela Thomas, foi escolhido como o filme de abertura. Aí aparecem também o longa Pendular, da carioca Júlia Murat, e o curta de animação Vênus – Filó, a fadinha lésbica, do mineiro Sávio Leite. Como nossos pais, da paulistana Laís Bodanzky, está mostra Panorama Special. No intenso agora, do documentarista carioca João Moreila Salles, faz parte da seção Panorama Dokumente.

 

Da seção Generation, de temática jovem, participam Mulher do pai, da gaúcha Cristiane Oliveira, premiado no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e Não devore meu coração!, do carioca Felipe Bragança, que estreou o longa em janeiro no Festival de Sundance – além do curta Em busca da terra sem males, da carioca Anna Azevedo. Na mostra Forum, dedicada às obras artisticamente mais arriscadas, está Rifle, do gaúcho Davi Pretto, que debutou com prêmios no último Festival de Brasília.

Fomento estatal

Profissionais brasileiros atribuem a boa fase sobretudo à política pública do audiovisual construída nos últimos 15 anos. Para Eduardo Valente, que atuou como assessor internacional da Ancine e hoje é consultor do festival alemão, o cinema brasileiro de corte mais artístico tem apresentado “resultados cada vez mais robustos em vários festivais”, não só em Berlim, o que agrega ao Brasil certo soft power. “É preciso lembrar que o mercado interno e o número de venda de bilhetes não são o único foco de legitimidade dos filmes nacionais. E que essa presença massiva abre uma série de possibilidades de inserção para o nosso cinema como um todo”, opina Valente.

Dieter Kosslick, que acompanha a produção nacional à frente da direção artística da Berlinale desde 2001, está de acordo. Segundo afirmou ao jornal OGlobo, o que se vê agora “é resultado do sistema de fomento que nos últimos anos incentivou centenas de produções com fundos públicos”.

O diretor Marcelo Caetano, que estreou Cinema, aspirinas e urubus em Cannes em 2005, fala em “respeito” pelo que se faz hoje no país, que investe anualmente cerca de 700 milhões de reais no setor. “O Brasil e a França são atualmente os países com as mais estabelecidas políticas de audiovisual. Hoje, existe respeito e confiança lá fora em relação ao cinema brasileiro. A visibilidade do nosso audiovisual é uma conquista do povo brasileiro”, disse ele, em depoimento ao EL PAÍS.

É a maior representação do cinema brasileiro em Berlim e em um festival internacional deste porte. Mas vale lembrar que o Brasil tem uma longa relação com a Berlinale. Por lá passou, por exemplo, Central do Brasil, de Walter Salles, que venceu o Urso de Ouro em 1998 – feito alcançado também por Tropa de elite, de José Padilha, em 2007. Em 2015, Que horas de volta?, de Anna Muylaert, um dos filmes nacionais de melhor performance em bilheteria nesse ano, voltou de sua participação em Berlim com um prêmio da Confederação de Cinemas de Arte e Ensaio. E em 2016, Mãe só há uma, o mais recente longa da realizadora paulistana, venceu a premiação oficial do público LGBT do festival, o Teddy Awards.